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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Foto: Foto: Andrea Lemus | CNL-INBA

 

 

 

GUILLERMO SAMPERIO

 

(Ciudad de México, 22 de octubre de 1948- Ibídem, 14 de diciembre)

 

Poeta e ficcionista, jornalista literário. Disse dele Álvaro Mutis:"... seus relatos conseguem tal extremo e maestria e veracidade, que a intensidade chega a ser incómoda. Pouco a pouco configura outro mundo que se supõe ao primeiro e se propõe como saída ao horror que este descreve um delírio puro, um frenesi absoluto do impossível, onde nada volta a ser como antes".

Entre outros livros de ficção: Lenin en el fútbol, Gente de la ciudad, Miedo ambiente jPrê-mio Casa de las Américas, 1977j, Cualquier dia sábado, Cuaderno imaginário (Prémio Nacional de Periodismo Literário, 1988), Bitácora de la quietud, Anteojos para la abstracción. Os poemas selecionados fazem parte do seu livro De este lado y dei outro.

A tradução é de Maria Aparecida Gori Maia.

 

 

 

TEXTOS EM PORTUGUÊS

 

MELLO, Thiago de.  Poetas da América de canto castellano.  Seleção, tradução e notas de Thiago de Mallo.  São Paulo: Global, 2011.  495 p.    Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

Plágio e desculpas ao senhor de Moraes 

Eu te peço perdão por te amar de repente Vinícius de Moraes

                     A Silvia e Cláudio Molina

 

 

Perdoa-me, Vinícius, por não te pedir perdão ao amá-la de repente. Entendo que foi vertiginoso e já percebi sua dor. Mas se te dissesse, se te contasse, foi fotografia, diálogo em meu solilóquio, desenho turvo, mulher nascida em umidade e logo pele e carne de minhas canções.

Entendo a doçura dos que aceitam melancolicamente, porque ela assim me ensinou na temporada de chuvas. Agora já não a amo, porque a amo tanto, porque nossa fortaleza se quebrou entre as carícias e posso reconhecer, Vinícius, concordar contigo que o afeto que lhe ofereço não tem a exasperação das lágrimas nem a fascinação das promessas. Esgotamos o futuro em cada olhar, em cada mão que roça o seu corpo ou o meu, quando lembramos tuas baladas. Há outra coincidência, se te dissesse, eu também peço que ela repouse quieta, muito quieta, que deixe que as mãos cálidas da noite descubram, sem fatalidade, o olhar estático da aurora. Mas, Vinícius, não quero lhe pedir perdão por amá-la de repente.

 

Dorme e vela
 

Deste lado da porta, a vigília. Entro e o fulgor da penumbra me cega. Um penetrante aroma de mulher; o descanso de meus olhos. Os objetos dormem, apaziguados pelo silêncio. Sensual vertigem

no encontro de luz e sombra. Escuto o som calmo da mulher. Vejo a paisagem brumosa e seu horizonte branco, interrompido pelas linhas da mulher adormecida. Uma perna prolonga a forma do horizonte. A outra se adianta, cria um triângulo que se afasta ao fundo da paisagem. Vindo de longe se chega às nádegas e seus círculos rompem o véu. Elas são chegadas da ponte das costas, cuja borda superior se transforma em onda solitária. Os cabelos provocam as manchas mais escuras entre os grises. Sobrevêm um desejo agudo de me internar. Mas permaneço aos pés dessa mulher.

 

 

 

SIGILOSA

 

A sombra do teu andar
habita um lugarejo
singelo e aprazível
na vegetação
de meu largo desejo.

 

 

 

EM MEMÓRIA DOS ENTRISTECIDOS

 

        Que de uma vez partam, que morram logo...

                                               Jaime Sabines

 

          A Isabel, Alfredo Pavon e os outros garotos

 

 

Os entristecidos são relógios descompostos
que nos olham com a torção dos ponteiros.
Os entristecidos são uma seita que nunca se reúne

        para chorar.
Não se queixam — e já para quê? —

 

Seria uma lágrima que chora outra lágrima.

Em seu olhar e em seus gestos

está o movimento sutil de um rio.

Existem no jogo de palavras e em sua violência:

não mostres tuas lágrimas a este mundo idiota;

chora nas ruas escuras de Tuxtla

quando a canção de Cohen e Dylan seja mera

        lembrança;
chora no peito de uma camisa sem corpo;
chora na hora em que estejam todos adormecidos

        e o íris

do sol começa a se meter através da vidraça rota.

 

Os entristecidos dão para beber

porque é uma maneira de gemer pelas entranhas,

uma maneira de distrair o felino que de outro

modo saltaria,

pesaroso,

ao pescoço do sobreviver.
Assim são os entristecidos,
assim morrem.

 

Se lhes pedimos que deixem de chorar eles
responderão:
a figueira do pátio tem uma rama quebrada;

hoje não tenho vontade de me levantar;

as casas crescem como vegetação sobre a vegetação;

me dá medo atravessar as avenidas;

na tarde amanheci com o pescoço torcido.

 

Sabem que o sem remédio é um amor por ganhar,
que do poço estéril saem cubos transbordantes de
rock melancólico,
que na pústula interna há diminutas flores,
que do nó na garganta pode brotar um braço.
Enfim.

 

Os entristecidos sabem que à solidão chega sempre

        um beijo,
um grito,

uma palavra mais triste,
um copo de vinho amoroso,
um poema arrancado ao suicídio,
a mão que nos ajeita os cabelos.

 

(Dentre os animais que medram nos entristecidos,
o leão tem lugar predominante. Este carnívoro oferece
um silêncio e um ronco tão potentes quanto a voz.
Para dizer a verdade, aos entristecidos não lhes
interessa sua voz;

 

apenas retomam os mutismos e a forma de gemer
dos leões.

A respeito da jibóia não há qualquer dúvida.
Sobretudo no caso da espécie te amo, serpente que
tem vocação de coveiro.)

 

Os entristecidos levam um leão no lugar da alma
e uma jibóia no lugar da querença.

 

Os entristecidos querem terrivelmente

        e choram como leões silenciosos.

        Sua hora preferida começa na madrugada:
vagam sobre as telhas
no sono do próximo;
se contorcionam na escuridão vegetal;
mordem a si próprios no beco,
trocam de pele nos hospitais.
Não se ouve deles qualquer protesto autoritário:
poucos sabem de sua existência.
Confraria líquida.

 

Ouve-se que dançam num segundo andar

e são tomados por alegres, por ruidosos,

aves de escandaloso aleteo

Se soubessem, se observassem,

a maneira do vozerio e as voltas da dança,

os movimentos da víbora e as patas em chagas do

        felino;
se pudessem escutar

por uma frincha as palavras que proferem.

Isto só é dado a outros entristecidos.

E outros entristecidos, ao escutar a festa do pranto,

        abrem

garrafas em suas casas,

se desvestem do cansaço e permitem

que o aroma do limoeiro penetre o quarto de música.

 

Os entristecidos não concebem a beleza sem cicatriz,

como o presente que é também o futuro,

como a carícia que é um pouco terna bicada,

como a mão com as unhas mordidas.

Os entristecidos amam

o poema dolorido,

as aranhas do filme,

os recados na parede;

amam o traço torto,

a coceira do capim,

os ramos vencidos das árvores.

 

Muito fazem continuando a subir nos caminhões

lendo literatura perfeita,

muito fazem com sair às compras

e habitar casas de concreto,

muito fazem com tirar os sapatos ao amanhecer,

amando-se desnudos.

Muito, em realidade, fazem.

 

Mas há um assunto sobre o qual não existe dúvida:
os entristecidos são os perfeitos amorosos.

 

                (De De este lado y dei outro)

 

 

 

MORENINHA

 

Corpo ligeiro

Confins de maus lençóis

Morena sombra

       Logo a máscara

       0 cabelo a meia-face

       Pernas de beijos

       Lindeiro de aberturas

Se vai meu espírito
Moça puta
Noturna colegial
Experta bunda

Teus peitos

Se empinam,

suaves, roçam

Me torno peitos

 

 

 

PUTA DA MADRUGADA

 

Puta da madrugada
És uma sombra sem pés
Teu peito sonâmbulo
Puta de sub-reptício
És teu fantasma sem ópera
Parda silhueta destecida
Tuas nádegas sonolentas
Tomam o rumo da rua
Deixa-me a última tequila.

 

 

*

 

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Página publicada em maio de 2021


 

 

 
 
 
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